domingo, junho 27, 2010


Um passeio na ilha do sol

                                                                                        Adelto Gonçalves (*)
         ILHA DE RHODES – Quem pretende conhecer o genuíno estilo grego de vida não deve procurá-lo em Atenas, a movimentada, desfigurada, poluída e histórica capital da Grécia, mas numa das muitas ilhas que compõem este país e que estão espalhadas nos mares Egeu e Jônico. São seis mil ilhas e ilhotas, das quais somente 227 são habitadas. Se começar pela ilha de Rhodes, fará muito bem: a 45 minutos de Atenas, por um dos vários vôos que saem diariamente do Aeroporto Eleftherios Venizelos, a ilha é um paraíso, de onde se avista as montanhas da Turquia, país euro-asiático.
         Os preços normais para vôos entre Atenas e Rhodes são de 125 euros por pessoa (só a ida), mas, nos últimos meses, as empresas Aegean Airlines e Olimpic Airways, que tradicionalmente fazem esse percurso, passaram a enfrentar a concorrência da Athensairways, que recentemente comprou aeronaves da Embraer. Por isso, surgiram promoções e tem sido possível fazer essa viagem de 600 quilômetros sobre o Mar Egeu por 32 euros por pessoa (só a ida). Essas promoções, porém, valem por tempo determinado e é preciso ficar de olho nos sites das empresas para aproveitá-las.
         Pode-se optar também por seguir de Atenas para Rhodes por mar, numa luxuosa embarcação da Blue Star. A viagem dura aproximadamente 15 horas, saindo de Atenas sempre à tarde, para chegar a Rhodes na manhã do outro dia, por volta das 8 horas, nas proximidades do porto Mandraki, onde estão duas gigantescas colunas com os cervos (Elafos e Elafina), que são o símbolo da ilha, local em que na Antiguidade existia o chamado Colosso de Rhodes, uma estátua ciclópica de um deus grego, que foi considerada uma das sete maravilhas do mundo.
          Para quem não tem pressa, vale a pena a opção marítima porque a embarcação para em muitas ilhas, inclusive na de Patmos, por onde passou o apóstolo Paulo, de quem, aliás, recomenda-se que se conheça bem a vida e suas epístolas que estão na Bíblia antes de se aventurar por estas paragens.  O preço da passagem é de 50 euros por pessoa, o que não inclui direito a cama e cabine.
         A viagem terá de ser feita em cadeiras simples em salão luxuoso, em ótimo ambiente, diga-se de passagem. O passageiro terá de passar a noite em claro ou, se quiser, pode cochilar numa cadeira pouco confortável. Quer dizer: na maioria das vezes, enquanto alguns passageiros ficam no bar, a maioria segue sentada até as 11 horas da noite, mas, depois, muitos passam a dormir nos sofás que existem a bordo.
         Ao chegar à ilha de Rhodes, o visitante não deve se assustar com o jeito grego de dirigir automóvel: tal como em Atenas, para o grego dirigir significa buzinar sempre e em toda esquina. Os motoristas que ficam no pequeno aeroporto à espera de turistas falam inglês e conhecem todos os hotéis da ilha – que são muitos porque, à época da alta temporada, milhares de turistas tomam Rhodes de assalto.
         Por isso, não age mal quem gosta de sossego e opta por conhecer a ilha na época do inverno. Como está próxima da Ásia, do Oriente Médio e do Norte da África, a ilha não costuma ter inverno rigoroso: os dias costumam ser ensolarados, apesar do frio de 10 graus. À noite, a temperatura costuma cair para cinco graus, mas nada que roupas mais pesadas não ajudem a suportar. Até porque há dias em que cai uma chuva enviesada, que vem de todos os lados, em função dos ventos que agitam o Mar Egeu.
          Quem desembarca no porto Mandraki, nas proximidades do Palácio do Grande Mestre (Palace of Grand Master), castelo medieval que, aliás, foi reconstruído durante a ocupação italiana na década de 1930, se estiver com pouca bagagem, nem precisa tomar táxi porque a maioria dos bons hotéis fica no centro da cidade em ruas pequenas e bem estreitas: o Western Plaza Rhodes, de quatro estrelas, apesar de ser privado de boas vistas, oferece estadia de primeira por uma diária de 55 euros (quarto de casal, com café da manhã farto) à época do inverno.
         Nas proximidades, ficam o Mediterranean, de quatro estrelas-plus, e o Ibiscus, ao lado do famoso Cassino de Rhodes e a poucos passos do Aquário, construído pelos italianos em 1924. Um pouco longe do centro, está o hotel Manousos, onde a diária pode sair por 45 euros, sem qualquer vista mais suntuosa e com instalações mais modestas. Obviamente, os preços no verão costumam triplicar.
         No porto Mandraki, atracam muitos iates de milionários europeus. Em frente ao Mandraki, está o Novo Mercado (Nea Agora), com uma cúpula mais islâmica do que grega, que reúne uma série de pequenos estabelecimentos comerciais ao ar livre: cafés, restaurantes, mercearias e lojas que vendem o suvlaki, o famoso churrasquinho grego, que acaba impregnando o ar com o cheiro de carne de carneiro assada. Quem é adepto de fast food encontra McDonald´s e Pizza Hut no centrinho de Rhodes. Mas o melhor mesmo é parar numa cafeteria para tomar um café com leite ou o café gelado grego e comer uma bougazza ou um dos muitos doces gregos.
                                               HISTÓRIA

         Conhecida também como a ilha do sol, Rhodes é um centro turístico que atrai milhares de visitantes durante todo o ano. Tem 77 quilômetros de comprimento por 37 quilômetros de largura. Está situada entre a Grécia (continente) e a ilha de Chipre e a 18 quilômetros a Oeste da Turquia. A população é de 130 mil habitantes, dos quais 80 mil vivem na cidade de Rhodes e, sobretudo, do turismo. Há uma pequena comunidade de brasileiros que vive do trabalho em hotéis, lojas comerciais ou na construção civil.
         A presença do homem na ilha data de pelo menos seis mil anos. Diferentes civilizações habitaram a ilha, desde os telchines, os achaeans, os cretans e os dorians. Setecentos anos antes de Cristo, gregos de Rhodes já saíam de barco em busca de novos mundos, criando colônias na Espanha, Egito, Itália e Ásia Menor. 
          Depois da vitória dos rodesianos sobre o rei Dimitrios, foi erguida a estátua do Colosso de Rhodes, esculpida por Haris em 293 a.C., em homenagem ao Deus do Sol, Helios. Foi feita de metal, tinha a altura de 32 metros e estava situada no porto Mandraki. Infelizmente, a estátua foi destruída poucos anos mais tarde, em 227 a.C., por um terremoto.

          Do terceiro século d.C. até 1309, a ilha fez parte do Império Bizantino. Em agosto de 1309, os seguidores da Ordem de São João chegaram a Rhodes e a dominaram por dois séculos. Durante esse período, foi construída a magnífica cidade murada, hoje transformada em shopping center, uma das grandes atrações turísticas da ilha, em razão de suas joalherias, butiques, cafeterias, bares e restaurantes que vendem especialmente frutos do mar. Ao fundo, está o Palácio do Grande Mestre com seu jardim e, ao lado, o Forte de São Nicolau, em meio a ruas e ruelas pavimentadas repletas de edifícios do século XV, decorados com arcos.
         Em 1522, os turcos invadiram Rhodes e outras 11 ilhas próximas e ali permaneceram até 1922, quando, então, foram expulsos pelos italianos, que reconstruíram uma grande parte da cidade murada. De 1943 a 1945, os italianos passaram as 12 ilhas para os alemães até que os ingleses as devolveram à Grécia em 1947.
         É claro que se tivesse algum reconhecimento internacional a teoria geopolítica do presidente Lula, que defende as ilhas Malvinas para os argentinos, Rhodes deveria ser uma ilha turca. Mas, sob domínio grego, está bem cuidada, abrigando 42 pequenos povoados em toda a sua extensão, áreas arqueológicas e especialmente as cidades antigas de Lindos, Kamiros e Ialyssos, além de praias de areias claras e uma vida noturna agitada perto do porto Mandraki. 
         Aliás, não se pode perder uma visita a Lindos, a cerca de 40 minutos de carro do centro. Ali se pode ver, lá embaixo, em meio ao tradicional casario branco com varandas de ferro, uma igrejinha ortodoxa em homenagem ao apóstolo Paulo, que por ali passou quando estava a caminho de Jerusalém, depois de ter visitado Coos, seguindo para Pátara, Fenícia, ilha de Chipre, Tiro e Cesaréia (Atos dos Apóstolos, 21). Pode-se percorrer um corredor composto por duas filas de colunas até à Acrópole, construída à época helênica, à entrada da povoação, voltada para o Mediterrâneo. Na época do verão, a vilazinha é muito agitada e há lojas para todos os gostos, além de uma visão magnífica do mar.
         Por falar em tempos antigos, de volta à região central de Rhodes, pode-se visitar a primeira acrópole da ilha, construída no ano de 408 a.C., no alto do Monte Smith. É dominada pelo grande Templo de Apolo.  Abaixo da acrópole, há um estádio construído no século III a.C. para corridas de bigas e que, hoje, é aproveitado por atletas amadores e profissionais para seus treinamentos. Ao lado, há um pequeno teatro, ou as suas ruínas.
         Ao visitar o teatro, não deixe de se posicionar em frente à arquibancada de pedras, colocando os pés exatamente entre um ponto onde há um ferro cravado no solo. Ali é o lugar exato em que a fala humana alcança uma acústica natural, o que permitia que a voz dos atores fosse ouvida por uma multidão, sem o uso de microfones ou amplificadores que, obviamente, não existiam na época. Isso também explica por que Jesus Cristo foi ouvido por multidões, como no Monte das Beatitudes, na Galiléia. Aliás, às vésperas da Olimpíada de 2004, engenheiros e operários atenienses, ao tentar reconstruir um teatro da época helênica, acabaram por destruir a acústica natural do local, o que os gregos lamentam até hoje.
         E por que o nome de Monte Smith a um local tão antigo? É em razão de uma homenagem ao almirante britânico Sidney Smith (1764-1840), que usou o monte como posto de observação para acompanhar a passagem de navios franceses em direção ao Norte da África, à época da guerra contra Napoleão. Mas o nome original é Monte Agios Stefanos.

         Em frente à ilha de Rhodes, do outro lado, lá no Sudoeste da Turquia, está a cidade portuária de Marmaris, que até a década de 1980 não passava de uma aldeia de pescadores. Hoje, é uma cidade com 28.600 habitantes, mas que chega a abrigar 300 mil pessoas durante a alta temporada. Em Rhodes, há serviços regulares de ferry boat para a Marmaris. Grandes navios de cruzeiro também costumam parar em Marmaris.     
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(*) Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003).

sábado, junho 26, 2010


Corinto antiga e moderna
Adelto Gonçalves (*)
            CORINTO – A 86 quilômetros de Atenas, a Corinto moderna tem pouco para mostrar: à frente de um porto acanhado, há uma praça enorme tomada em boa parte por um estacionamento de automóveis, uma tenda enorme para exposições ou outra atividade cultural. E mais nada. Com 30 mil habitantes, a cidade mostra um aglomerado urbano pouco atraente e um trânsito um tanto desorganizado, apesar de pouco intenso. Lembra um pouco as cidades do litoral de Portugal. É um lugar de passagem e não oferece grandes hotéis, pois, geralmente, o turista que se desloca até lá está hospedado em Atenas.
            Nas proximidades da praça principal, a maior procura é por um restaurante de fast food, bem parecido com um McDonald´s, mas que, em vez de hambugueres, vende suvlakis, o churrasquinho grego de carne de carneiro assada em pão pita. Por ali, na mesma avenida de mão dupla, há também uma doçaria – ou pastelaria, como se diz em Portugal – que vende doces e pães gregos inesquecíveis.
            Antes de chegar à cidade, a sete quilômetros do centro, não dá para deixar de ver o famoso Canal de Corinto, aberto entre 1881 e 1893 para colocar fim a um obstáculo que por séculos dificultou a navegação entre o Mar Egeu e o Jônico, evitando que os barcos dêem uma volta de 400 quilômetros, em torno do Peloponeso. Foi o imperador Nero quem, antes de colocar fogo em Roma, primeiro tentou acabar com o problema, mandando cavar um canal em tão pequeno trecho de terra. Não obteve êxito. Hoje, o Canal de Corinto, com mais de seis quilômetros de extensão e uma profundidade de 30 metros entre o nível da rua e a água, é atravessado por barcos turísticos puxados por rebocadores, todos os dias. Como tem apenas 21 metros de largura, é muito estreito para navios cargueiros.

            Claro, o que vale numa viagem a Corinto é mesmo a Corinto Antiga, que rendeu ao apóstolo Paulo várias epístolas – nem todas reunidas na Bíblia.  É um museu a céu aberto. Suas ruínas datam do período neolítico (5000 a 3000 a.C.)[1]
[1] Esta e demais citações históricas foram retiradas do livro Corinto Antigua: El lugar y el museo – breve guia arqueologica ilustrada, de Pedro Themelis, superintendente de Antigüedades (Atenas: Editorial Hannibal, s/d, 6 euros).

Os primeiros povoados instalaram-se num trecho elevado, a 575 metros de altura, a dois ou três quilômetros do mar. Explica-se: ali do alto seria mais fácil não só se defender de invasões como controlar as comunicações por terra e por mar entre Peloponeso e a Grécia continental. Mas há quem diga que naquela época o mar estava mais avançado naquele espaço de terra, como provariam algumas marcas antigas que se vêem em pedras na montanha que costeia o litoral próximo.
            O assentamento neolítico durou aproximadamente dois mil anos, mas até agora foram descobertos poucos vestígios de casas e poucos utensílios domésticos dessa época. No começo do segundo milênio, a povoação foi destruída por causas desconhecidas. Depois de uma fase obscura, Corinto ressurgiu por volta do ano 1000 a.C., ocupando o mesmo lugar de povoados pré-históricos ao pé do monte Acrocorinto.
            É a partir do século VIII a.C. que Corinto apresenta um florescimento notável como resultado de sua independência política e econômica que, até hoje, enche os gregos de orgulho, a tal ponto que tem sido usada como argumento na recente refrega política com a União Europeia, especialmente com a Alemanha, que se recusa a apoiar uma ajuda financeira a um país à beira da bancarrota. “Quando os alemães ainda viviam em cavernas, nós já fazíamos tudo isto”, costumava repetir, por estes dias, todo guia grego ao turista que se mostra maravilhado com as peças expostas no Museu de Corinto.
            O auge de Corinto, porém, dá-se à época de Cípselo, que em 657 a.C., depois de tomar o poder da família Baquíades, passou a governar a cidade à frente de uma ditadura, e, sobretudo, na época posterior de seu filho, Periandro, seu sucessor. Por esse tempo, novos mercados foram construídos, em razão do aumento da produção local e daquela que chegava de barcos que singravam o mar Jônico, estabelecendo contatos especialmente com o Oriente Médio.
                                                           DECADÊNCIA
            Veio depois a época de esplendor de Atenas, ou seja, a época das guerras persas, que significaram a decadência de Corinto. Houve muita rivalidade entre Corinto e Atenas, especialmente ao tempo da guerra de Peloponeso. Corinto saiu derrotada, recuperando-se só mais tarde ao tempo do domínio macedônico, quando, então, converteu-se pela segunda vez em centro comercial.
            Vieram, porém, os romanos que saquearam e, praticamente, destruíram Corinto. Seus habitantes que sobreviveram foram vendidos como escravos e seus tesouros artísticos levados para Roma. Foi a partir de 44 a.C., ao tempo de Júlio César, que começou a se recuperar, depois de permanecer por mais de um século tal como hoje está, uma cidade deserta e arruinada. Tornou-se colônia romana, atraindo muitos estrangeiros, especialmente hebreus. Foi por essa época, 51 e 52 a.C., que o apóstolo Paulo a visitou.
            Mais tarde, ao tempo do imperador Vespasiano, um terremoto destruiu boa parte da cidade. Até que o imperador Adriano a mandou reconstruir. Dessa época são um aqueduto que trazia água de um distante manancial e as termas públicas cujas ruínas ainda são visíveis à céu aberto. Em 375 d.C. um novo terremoto sacudiu Corinto tanto quanto as invasões dos godos do rei Alarico.
            A cidade voltou a crescer, mas um novo terremoto em 521 d.C. interrompeu sua trajetória ascensional. Em tempos mais recentes, em 1210, Corinto foi ocupada por piratas e, de 1358 a 1395, ficou sob domínio dos mercadores florentinos. Em 1548, caiu nas mãos dos turcos que a dominaram até 1822, com exceção de um período breve em que esteve ocupada por venezianos, de 1687 a 1715.
            A cidade, mais uma vez, teve de enfrentar a destruição por um terremoto em 1858. Foi a partir de então que se começou a construir uma nova cidade portuária, a atual Corinto. A antiga Corinto reduziu-se, então, a um pequeno povoado de modestas casas baixas e brancas junto ao conjunto arqueológico, que segue lá até hoje. Muitos atenienses mantêm lá casa de veraneio ou fim de semana. Dois novos terremotos em 1928 e 1930 abalaram a Corinto antiga e a moderna, obrigando seus moradores a reconstruírem suas casas com precauções antissismo.
            Ao final do século XIX, as sete colunas dóricas monolíticas do templo de Apolo e as ruínas de uma muralha constituíam os únicos restos visíveis da antiga Corinto. Depois, a partir de 1896, escavações foram deixando à luz do sol outras ruínas, por iniciativa da Escola Americana de Estudos Clássicos. As primeiras escavações dos arqueólogos norte-americanos se limitaram a descobrir a Ágora, o mercado da cidade antiga, estabelecendo antigos logradouros com base no relato que deixou o turista Pausanias que visitou a Corinto romana por volta de 155 d.C. Vieram à luz as fontes Peirene e Glauce e pôde-se chegar à conclusão de como teria sido o templo de Apolo. Foram achados também esculturas e objetos de barro e de metal.
            Também o Acrocorinto, onde ficava o templo da deusa Afrodite, e outros povoados pré-históricos foram investigados ao largo do século XX, com interrupções durante as guerras mundiais. Debaixo das ruínas romanas, foram achados restos da cidade mais antiga, além de um cemitério do período arcaico, um ponto de partida do hipódromo e ruínas de edifícios da Corinto grega. No período romano imperial, Corinto era a capital da Acaia, a cidade mais importante da Grécia.
                                                           TEMPLO DE APOLO
            Abaixo, ao final da parte amuralhada, fica Lequeo, porto da cidade, onde havia um santuário dedicado a Poseidon e Afrodite. Ali restam ainda ruínas de uma grande basílica paleocristã. O segundo porto, mais afastado, era Cencrias onde o apóstolo Paulo embarcou rumo a Éfeso. Ali existiam instalações portuárias e edifícios da época romana que hoje estão debaixo das águas.
            No centro da cidade antiga, está o templo de Apolo, o principal sítio arqueológico de Corinto, edificado sobre uma elevação rochosa, com as sete colunas que restaram do edifício original. Mais adiante, vêem-se as ruínas das grandes termas da época imperial com uma cisterna e restos de mosaicos no piso. Mais ao Sul estão os banheiros públicos e uma fileira de lojas muito bem conservadas. Até Lequeo, junto ao mar, há uma série de edifícios em ruínas da época romana. 
            Depois do templo de Apolo, ao Sul, está o Museu de Corinto, edificado pela Escola Americana de Estudos Clássicos em 1932-33. Ali podem ser vistas estátuas de cidadãos romanos vestidos com a toga característica e outros objetos da época da civilização grega antiga, como os famosos vasos de Corinto, além de outros importados de diversos lugares do Mediterrâneo. Há ainda uma pequena sala em que estão expostos numerosos ex-votos de barro que datam do século IV a.C.: pernas, mãos, órgãos genitais, seios e cabeças de tamanho natural, que recordam muito os atuais ex-votos das igrejas católicas feitos de cera.
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(*) Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003).


[1] Esta e demais citações históricas foram retiradas do livro Corinto Antigua: El lugar y el museo – breve guia arqueologica ilustrada, de Pedro Themelis, superintendente de Antigüedades (Atenas: Editorial Hannibal, s/d, 6 euros).

sexta-feira, junho 25, 2010


                            Grécia para desavisados
                                                                                     Adelto Gonçalves (*)
         ATENAS – Quem desembarca por estes dias do inverno europeu de 2010 no Aeroporto Eleftherios Venizelos, em Atenas, não percebe que está chegando a um país falido, às voltas com uma dívida fiscal astronômica, cujos números o governo fraudou à exaustão em suas prestações de contas à União Europeia.  O aeroporto, inaugurado em 2001 dentro do plano de modernização do país para a Olimpíada de 2004, se não é grande para quem chega de Barajas, em Madri, ou de Cumbica, em São Paulo, é moderno e bem organizado. E o serviço de informações funciona bem.
         Para ir de táxi do aeroporto até um hotel nas proximidades da Praça Omônia, região central de Atenas e próxima aos principais pontos turísticos da cidade, gasta-se em torno de 40 euros  ou 43 euros (se a corrida é depois das 24 horas), viajando-se por uma moderna rodovia construída já neste século. Mas, se não for de madrugada, pode-se usufruir de uma viagem de metrô, também ampliado para a Olimpíada de 2004: o isitirio (passagem) custa cinco euros, se o usuário sair do aeroporto para algum ponto da cidade, mais caro do que quando é comprado nas demais estações. Mas, antes de chegar à Praça Omônia, o turista terá de fazer baldeação na estação Syntagma.
         É bom lembrar que a linha um do metrô funciona das 5 às 0h15 de domingo a quinta-feira e das 5 às 2h00 sexta e sábado; e a linha dois das 5h30 às 0h20 todos os dias. De metrô, é possível visitar vários museus e ruínas arqueológicas, sem gastar muito. Para orientação, siga um mapa da cidade que é distribuído no aeroporto e nos hotéis e que traz o patrocínio do Hondos Center, o shopping center mais conhecido do país, com 15 unidades em Atenas e Piréus (Piraeus). No último andar do Hondos Center, na Omônia, há uma praça de alimentação onde se pode comer por 15 euros, em média, e ter uma visão global das históricas ruínas da cidade.
         Atenas está também bem dotada de trens modernos (são três as linhas), além de um trem suburbano (Proastiakos). O serviço de ônibus é que deixa muito a desejar, embora os veículos sejam confortáveis e quase sempre trafeguem com pouca gente, todos os passageiros sentados: demoram muito para chegar. Além disso, nem sempre é possível comprar o famoso isitirio, que só é vendido em quiosques e lojas próximas aos pontos de embarque e desembarque. É que o funcionário da companhia responsável pelo serviço de ônibus, muitas vezes, deixa de abastecer aqueles pontos-de-venda e a saída, então, é tentar comprar o isitirio de algum usuário, que, prevenido, tenha alguns desses tickets no bolso.
         Falar com o motorista não adianta nada porque não é função dele cobrar passagem. A outra opção é fazer a viagem sem pagar, embora correndo o risco de topar com algum fiscal: se o usuário for flagrado viajando sem o isitirio, é levado à delegacia de polícia mais próxima e obrigado a pagar multa de 60 euros. E não adianta reclamar de que a companhia não disponibiliza o isitirio para quem necessita adquiri-lo e está na cidade de passagem. Mas essa possibilidade é bem remota. Parece que os fiscais estão sempre de férias. Mas não convém arriscar.
         Se você vai a Atenas pela primeira vez o melhor mesmo é ficar num hotel nas proximidades da Praça Omônia, mas procure evitar algumas espeluncas que constam do serviço on-line das agências de turismo.  São pequenos hotéis – que cobram uma diária de 60 euros por um quarto de casal (o que é caro para o que oferecem) – que ficam numa área de prédios degradados transformada em zona de prostituição e venda de drogas, nas imediações das ruas Aristotelous e  Averof e da Praça Vathis. Antes de comprar qualquer pacote, entre no Google e procure ler as mensagens (nada favoráveis) que ex-hóspedes deixaram a respeito dos serviços desses hotéis.
         Naquela área, à noite, não é recomendável andar: desempregados provenientes de muitos países da região (Albânia, Turquia, Paquistão) e até da África estão sempre de olho na bolsa alheia – especialmente, em busca de passaportes. Mas assalto à mão armada, como ocorre no Brasil, é difícil de acontecer – quase impossível. Seja como for, não se recomenda a mulheres que andem na calçada com a bolsa pendurada ao braço que está virado para a rua: isso facilita a ação dos ladrões-motoqueiros que atuam sempre em dupla. Nos outros pontos da cidade, a movimentação noturna também é intensa porque o grego dorme pouco à noite (talvez porque goste de dormir à tarde) e prefere ficar pelas ruas em busca de diversão e passatempo.
         Os melhores hotéis estão na Syntagma, a praça central da capital, situada junto ao Parlamento da Grécia e ao Túmulo do Soldado Desconhecido. A rua Ermou, com cerca de um quilômetro de boulevard, liga a Praça Syntagma a Monastiraki  e tem muitas ofertas aos consumidores locais e turistas. É a área do comércio de luxo em que se pode comprar especialmente peças de vestuário, bolsas e sapatos.  
                                     VISÃO DA ACRÓPOLE

       Ali perto está a Plaka, região localizada na encosta norte e leste da Acrópole, famosa por sua abundante arquitetura neoclássica, suas ruas estreitas de pedras e paralelepípedos e fechadas para o tráfego de veículos. Atrai os turistas por causa de seu cenário para fotografias. Da Plaka, ao cair da noite, tem-se uma visão inesquecível da Acrópole iluminada.
          É um local bem sortido de tavernas, que está sempre movimentado a qualquer hora do dia e da noite, especialmente a rua Adrianou. Ali é possível comer um suvlaki, o famoso churrasquinho grego, enrolado no pão-pita, bem diferente do seu primo-pobre vendido na Avenida São João, em São Paulo. Você pode escolher o recheio entre carne de carneiro, de porco, de vitela e de frango. Na Grécia, todos os restaurantes servem água e pão, mesmo que o cliente não os peça. E o vinho é vendido ao quilo (e não ao litro). Na Plaka, as lojas abrem pela manhã e fecham perto da meia noite.
         Próximo da Plaka, fica o Monastiraki, onde há uma estação do metrô, zona bem conhecida por suas pequenas lojas, restaurantes típicos e mercados, bem como pela feira ao ar livre, que oferece antiguidades, peças de cerâmica, reproduções de peças gregas famosas, artigos de cobre e pequenas lembranças, especialmente o olho grego que, segundo a tradição, é usado para combater mau-olhado.
         Os vendedores, geralmente, anunciam seus produtos aos gritos e gostam de negociar o preço. As grandes lojas de departamento e as do Monastiraki obedecem a um horário diferente das lojas da Plaka: fecham às 14 horas nas segundas, quartas e sábados, mas nas quintas, terças e sextas estendem o horário até as 20 horas.
         Outro bairro especialmente famoso pelos seus estudantes, sempre abarrotado e com elegantes cafés, é Theseum ou Thission, situado a oeste de Monastiraki. O destaque em Thission é o antigo Templo de Hefesto, sobre uma pequena colina. Mas para quem prefere um local mais tranqüilo, longe das ruínas, há hotéis de quatro estrelas na região da Glyfada, à beira-mar.
         Ainda na região da Omônia está o Mercado Central, na Rua Athinas, onde se pode comprar azeitonas, pistaches, amendoim coberto de gergelim, azeite, ervas e temperos típicos, mel, iogurte e queijos, especialmente o feta (produto típico grego, que não existe no Brasil, feito de leite de cabra e de ovelha. O azeite grego é considerado o mais saudável do mundo e uma salada grega é sempre encharcada de muito azeite. O aspecto das carnes expostas ao ar livre no Mercado Central não é muito recomendável nem o cheiro, mas a visita é obrigatória para se entrar diretamente em contato a cultura popular grega.
                                               DIFICULDADES
         O país está quebrado, à beira de uma moratória, mas a vida segue igual. O que muda um pouco a paisagem são as centenas de cartazes distribuídos por Atenas convocando greves ou reclamando da situação econômica. Na Praça Omônia, um palanque está sempre armado à espera de alguma manifestação sindical ao final da tarde.
          Associações de trabalhadores públicos e privados ameaçam ir à greve porque não admitem pagar a conta que foi contraída por banqueiros e outros conhecidos especuladores. Mas isso faz parte da cultura grega: quando podem, os gregos não pagam. Que o digam os brasileiros que, no auge da recente diáspora nacional, foram se aventurar por lá: muitos trabalharam e ficaram sem receber. Como são ilegais, não podem reclamar. Além disso, quando tentam legalizar sua situação, têm de enfrentar a famosa burocracia grega, que sempre exige um papel a mais. As filas são intermináveis e, para garantir uma senha, o imigrante precisa chegar de madrugada à porta da repartição pública.
         Ninguém na Grécia gosta de pagar imposto. Nem ricos nem pobres. Os ricos defraudam o imposto de renda, acumulam fortunas e investem em propriedades nas muitas ilhas que fazem parte do país, especialmente Mikonos, Rhodes e Hidra. Os pobres nem sempre pagam suas dívidas porque os salários que ganham são baixos – 600 euros por mês, em média. E não conseguem acumular. Isso não quer dizer que o grego seja um povo desonesto: pelo menos no dia-a-dia, dificilmente, um dono de comércio “erra” no troco. Os taxistas estão acostumados a negociar o preço da corrida antes de iniciá-la. E só colocam o taxímetro para funcionar a fim de demonstrar que a corrida não varia muito do preço acertado.
         Às vezes, a corrida pode custar um pouco além do previsto. É que as ruas e avenidas de Atenas estão entupidas de automóveis com mais de dez anos de uso, que volta e meia apresentam problemas mecânicos. Estão entulhadas de carros também porque no país não é hábito construir casas e edifícios com garagens. Um terreno baldio logo é transformado pela população em estacionamento, sem cobrança de estadia ou administração por empresa particular.
         A maioria dos veículos “dorme” na rua, mas ninguém se queixa de roubos, embora, nos últimos tempos, tenha crescido os arrombamentos de carros à busca de toca-cds que são vendidos no mercado negro em troca de drogas. Os responsáveis, geralmente, são os estrangeiros que vivem no país de modo ilegal. Aliás, há máfias especializadas em trazer clandestinamente gente do Leste Europeu e da Ásia disposta a pagar mais de mil euros por uma vaga num navio que possa atracar nas costas gregas. Em razão da imigração ilegal, nos semáforos já se pode ver uma típica cena brasileira: gente que se oferece para limpar o pára-brisas do automóvel em troca de um euro.
         Os brasileiros que lá trabalham – quase sempre de forma ilegal, sem garantias trabalhistas – ganham para sobreviver, pois dificilmente conseguem acumular um pecúlio para comprar um apartamento financiado em 30 ou 40 anos. Têm mesmo de pagar aluguel por anos a fio. Dificilmente, abrem um negócio próprio porque o governo exige uma caução de 60 mil euros de quem pretende se aventurar na iniciativa privada.
         Dessa forma, o jeito é continuar empregado. E, de preferência, pelo ano inteiro. É que, nas ilhas que vivem do movimento das férias de verão, geralmente, os trabalhadores – estrangeiros, inclusive – só ganham regularmente por seis meses. No resto do ano, dependem do seguro-desemprego também de 600 euros, em média. Mas, se o trabalhador for flagrado fazendo outro serviço, o seguro-desemprego é cortado.
         Todos reclamam do governo do primeiro-ministro Geórgios Papandreou, 57 anos, um grego um tanto diferente porque formado na London School e em Harvard, filho e neto de antigos primeiros-ministros, mas ele está no poder há pouco tempo, desde as eleições de 2009.  A responsabilidade pela crise é dos governos anteriores que foram imprevidentes: para organizar a Olimpíada de 2004, empenharam tudo o que o país tinha e, agora, quem tem de pagar é a população.
         Além do novo aeroporto e da nova rodovia, ampliaram o metrô e construíram e reformaram estádios. Com tantas despesas no orçamento público, o resultado só podia ser esse mesmo: quebra. Como já foram invadidos e dominados por outros povos, os gregos agora temem que, com a quebra, o país possa ficar vulnerável a outras invasões. Ainda que não corra risco de invasões, o Brasil que, guardadas as devidas proporções, tem níveis de corrupção tão alarmantes quanto os da Grécia, deveria colocar as barbas de molho: depois da Copa do Mundo de Futebol de 2014 e da Olimpíada de 2016, bem que poderá estar em situação semelhante.
         Os gregos vivem preocupados com os vizinhos, especialmente com a Turquia, velha desafeta, cujas montanhas se pode ver da Ilha de Rhodes. Talvez por isso é a Grécia o país europeu que, nos últimos tempos, mais investiu em armamentos. Seu exército é um dos mais numerosos e mais bem equipados da Europa, na comparação com sua população (11 milhões de habitantes). Atrai muito os jovens, que não vêem o momento de cumprir o serviço militar obrigatório. Um grego que viveu a infância e boa parte de sua fase adulta em São Paulo, ao retornar ao seu país, teve de servir normalmente ao exército já com mais de 40 anos de idade, para regularizar seus papéis.
         A paixão dos gregos por armas é tanta que, desde 1975, em Atenas, há o Museu da Guerra, que guarda uma vasta coleção de armas, aviões, helicópteros, uniformes e documentos. Há armamentos e objetos utilizados pelos soldados gregos na Segunda Guerra Mundial, na Guerra da Coreia e na guerra histórica no Chipre. No exterior do prédio, encontram-se aviões, helicópteros e armamentos antigos e mais recentes. O Museu guarda um espólio de mais de vinte mil fotografias da história das forças armadas gregas.
                                                    PONTOS TURÍSTICOS
 
         Fundada há mais de três mil anos, Atenas tem mais de três milhões de habitantes, incluindo os subúrbios, e, embora apresente muitas construções modernas, continua com suas ruínas que remetem a tempos imemoriais. A cidade é um dos principais pontos turísticos da Europa, mas está bastante desfigurada por causa de construções feitas sem muita ordem, especialmente no centro.
         Nos bairros, a situação é outra: há áreas modernas e muito bem organizadas, prédios com três andares no máximo, sem elevadores, em razão da possibilidade de ocorrência de terremotos. Na área central, à época do verão, a situação é crítica: há poluição e muita poeira. Por isso, um dos passeios habituais de quem mora em Atenas é andar pela praia e tomar um banho de mar noturno.
         Atenas é um dos maiores centros mundiais para a pesquisa arqueológica, mas não são gregos os seus pesquisadores, na maioria. Por falta de dinheiro, o governo loteou tudo, destinando áreas a arqueólogos norte-americanos, ingleses, franceses, italianos e outros.  Por isso, Atenas abriga várias instituições nacionais e organismos internacionais voltados para a arqueologia, como a Universidade de Atenas, a Sociedade Arqueológica, o Departamento de Cultura da Grécia e diversos museus de antiguidades, nos quais se destacam o Museu Arqueológico Nacional, o Museu da Acrópole de Atenas, o Museu Benaki e o Museu Bizantino e Cristão.
         Além das relíquias arqueológicas, as igrejas ortodoxas – praticamente, uma a cada esquina – são uma atração à parte: algumas são muito antigas, com destaque para a Catedral, a igreja de Omorfoklissia e a de Panaghia Kapnikarea. A Acrópole, o antigo centro sagrado da cidade, é célebre em todo o mundo tanto por sua relevância histórica como pelas ruínas de edifícios clássicos importantes como o Partenon e o Erecteion. Outros locais que não se pode deixar de visitar são o Templo de Zeus Olímpico, o Museu Histórico Nacional de Atenas, a Academia de Artes de Atenas, o Monte Licabeto e o Museu Bizantino e Cristão.
         Nas ruas, os gregos nem sempre são afáveis na hora de dar uma informação ao turista, especialmente aqueles que trabalham para entidades públicas, que sempre olham com cara de quem não gosta de ser incomodado. Mas a maioria entende inglês e se esforça para ajudar. Não é correto dizer que são mal-educados. Como em todos os povos, há sempre aqueles que se mostram mais solidários, enquanto outros são menos corteses. Acostumados a atender turistas de todo o mundo, os garçons dos restaurantes de Monastiraki e da Plaka são atenciosos e “caçam” os clientes nas ruas, mostrando as opções de seus cardápios.
(*) Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br

quinta-feira, junho 24, 2010


A misteriosa e bíblica Jordânia 

ADELTO GONÇALVES*

Rico em história e cultura, o país oferece ao turista a oportunidade de conhecer locais de várias passagens da Bíblia, como o Monte Nebo,
de onde Moisés avistou a Terra Prometida

      Visitar a Jordânia nestes dias tem os seus riscos, mas a possibilidade de que o turista possa ser afetado por questões políticas internas é pequena. A retirada israelense da Faixa de Gaza e a possibilidade de Israel endurecer a sua política na Cisjordânia despertaram velhas apreensões quanto à implantação de palestinos no reino.

      Separada da Palestina em 1923 e independente em 1946, a Jordânia tem uma população estimada em 5,4 milhões de habitantes, dos quais a metade é de origem palestina. Por isso, não são poucos os setores que defendem a anexação da Cisjordânia, embora o rei Abdullah II já tenha deixado claro que a separação é irrevogável, desde que, em julho de 1988, o país rompeu os laços políticos e administrativos com aquela região que era parte integrante do reino desde 1950.

        Provavelmente, nada disso deve afetar uma estada de alguns dias na Jordânia. Mais inquietante pode ser a presença clandestina de terroristas.
      Em agosto, um grupo ligado à Al-Qaeda, de Osama Bin Laden, chamado Brigadas Abdullah Azzam, atirou de Aqaba, à beira do Mar Vermelho, três mísseis em direção a um navio de guerra norte-americano que estava próximo da cidade israelense de Eilat. Os estragos, porém, foram poucos.

           Fora isso, o reino é considerado um oásis de tranqüilidade em meio a vizinhos turbulentos. Além de tudo, é um país que justifica a viagem. Considerada uma das nações mais ocidentalizadas do Oriente Médio, a Jordânia é rica em história e cultura. Como é um país pequeno, com cerca de 92 mil quilômetros quadrados, as distâncias entre os principais pontos podem ser percorridas em um curto espaço de tempo.
         O ideal é gastar uma semana percorrendo a Jordânia, mas dois dias são suficientes para conhecer as principais atrações,

         A partir de qualquer posto de fronteira, acostume-se com a figura do rei Abdullah II. Formado em Oxford, 43 anos, casado com a rainha Raina, 33 anos, de origem palestina, nascida no Kwait, o jovem rei tem a sua fotografia exposta na parte externa de quase todos prédios públicos, muitas vezes, ao lado de seu pai, o rei Hussein (1936-1999), que governou o reino hachemita desde 1952.

         Ao entrar no país procedente de Israel, acostume-se também com as diferenças: em todo posto de fronteira, há carregadores, que, praticamente, obrigam o turista a deixá-los transportar as malas em seus carrinhos. E por mais dinares, a moeda local, que o turista lhes ofereça, nunca ficam satisfeitos. Um dinar vale US$ 0,80. Para passar pelo posto fronteiriço, o turista precisa pagar uma taxa de 5 dinares (ou US$ 6).

             Quem entra na Jordânia pela fronteira do Norte, atravessando a ponte Rei Hussein, logo passa por Umm Qais, que ocupa o local da cidade greco-romana de Gadara, cujas ruínas ficam numa colina que dá vista para as Colinas de Golã e para o mar da Galiléia, em Israel. O local é conhecido pelo episódio que narra o milagre que Jesus Cristo teria operado, ao transferir os maus espíritos de dois homens para uma manada de porcos, como se lê na Bíblia em Mateus 8.28-34- Lucas 8.26-39.

JERASH


         A 64 quilômetros da fronteira com Israel, fica Jerash nas terras de Gileade, a que se chega pela estrada real, citada na Bíblia em Números (20.17). A estrada passa ao lado dessa que é uma das cidades romanas mais preservadas do Oriente Médio, parte integrante da Decápolis, um conjunto de dez cidades-estados helênicas que incluía Filadélfia (Amã) e Gerasa (Jerasah).

        Ao lado da rodovia, há um centro turístico e um grande restaurante, onde a comida é servida no sistema self service. Mas, atenção: coma com cuidado porque a cozinha sempre carrega nos condimentos. Uma das atrações é o pão árabe feito na hora e à vista dos clientes.

      Depois de pagar cinco dinares para entrar nas ruínas, chega-se à cidade pelo Arco de Adriano, erguido em homenagem ao imperador romano. Logo adiante fica o Hipódromo, onde se realizavam corridas de biga. Mais à frente, está o Porto Sul, parte de uma muralha erguida no século IV d.C.

        À esquerda, vêem-se o Templo de Zeus e o Teatro Sul, onde hoje é realizado, em julho e agosto, o Festival de Jerash, que inclui dança, balé, ópera, concursos de poesia, teatro, música clássica e mostras de artesanato. Com sorte, o turista pode encontrar a qualquer dia grupos locais que exibem sua música e dança sem cobrar nada.

         Nas ruínas, ainda pode-se passear pela Praça Oval, remanescente do século 1º d.C., com formato assimétrico. Suas colunas jônicas estão em todas as coleções de cartões-postais jordanianos. Ao Norte, está o Cardo, uma rua pavimentada com meio quilômetro de extensão que abrigou as principais construções da cidade. Olhando bem, pode-se ainda ver as marcas deixadas pela rodas das bigas.

        À esquerda, está Ágora, onde ficava o mercado de alimentos, com uma fonte ao centro. Mais adiante, há outra fonte pública: Nynphaeum, do século 2º d.C. Perto dali está o famoso Templo de Artemis, deusa protetora das cidades na era greco-romana.

            Há ainda vestígios de igrejas bizantinas, que eram freqüentadas pelos primeiros cristãos. Vêem-se ruínas de uma mesquita omíada, do pequeno Teatro Norte e das Termas Ocidentais. Não se pode também deixar de visitar o Museu de Jerash, que exibe moedas, sarcófagos e estátuas.

AMÃ

         Ao voltar para a rodovia em direção a Amã, 45 quilômetros adiante, não deixe de parar para contemplar o vau de Jaboque, citado em Gênesis (32.22-32), por onde Jacó passou e teria lutado com um anjo. Mais meia hora de viagem e já aparece no horizonte a capital da Jordânia, com seus prédios construídos com pedras brancas extraídas da região. É hoje uma cidade moderna, com seus hotéis de cinco estrelas iluminados à noite e suas largas avenidas em que desfilam automóveis Mercedes último tipo.

            Na Bíblia, Amã aparece como Rabbath Ammon, capital dos amonitas, povo que combateu os israelitas durante séculos até cair nas mãos dos assírios. Depois do período sob domínio dos nabateus, a cidade virou um centro comercial na época romana e passou a chamar-se Filadélfia. Restos da Filadélfia romana estão no centro histórico ao pé da Cidadela (El-Qala) com seu Anfiteatro, construído em 170 d.C. durante o reinado de Marco Aurélio, com capacidade para seis mil pessoas, o maior da Antiguidade.

          Por ali está também o antigo Palácio Real, onde não mora o rei Abdullah II, pois a família há muito preferiu mudar-se para os arredores da cidade. Nas proximidades estão também o Museu do Folclore e o Museu das Tradições Populares. Subindo a colina em frente ao Anfiteatro, vêem-se as ruínas de um templo romano dedicado a Hércules, além do Museu Arqueológico, que abriga um conjunto dos Manuscritos do Mar Morto e peças extraídas de Petra, Jerash e Madaba.

        De construção moderna, entre as largas avenidas, há a grande Mesquita El-Malek Abdullah, com seu domo azul, erguida em 1990 no local de uma mesquita omíada do século VII, e o Royal Culture Centre, que promove acontecimentos culturais. Nas avenidas, não circulam só Mercedes: como o país não tem indústria automobilística, pode-se ver muitos Honda Civic e Audi A3 importados do Brasil correndo ao lado de carros da polícia de fabricação norte-americana.

           Com um salário mínimo ao redor de US$ 300, não se pode dizer que um operário jordaniano possa viver bem. Mas esse ordenado tem atraído trabalhadores estrangeiros, principalmente do Egito. Há sinais de riqueza por todos os lados: um terreno de mil metros quadrados não sai por menos de US$ 300 mil. Já o mesmo terreno fora da capital pode ser comprado por US$ 40 mil ou US$ 50 mil.

              Embora os vizinhos Iraque e Arábia Saudita sejam potências petrolíferas, a Jordânia, a exemplo de Israel, importa petróleo. A economia do país está baseada principalmente nas indústrias têxtil e farmacêutica. O turismo também tem atraído muitos recursos: as autoridades esperam a visita de mais de dois milhões de turistas até o final do ano.

            Até 2010, a estimativa é que 12 milhões de turistas passem por lá, gerando uma renda de US$ 5,6 bilhões. É uma projeção otimista, pois o temor de atentados, freqüentemente, derruba o número de visitantes estimado. De qualquer modo, no primeiro semestre, houve um aumento de 30% no fluxo de turistas em relação ao mesmo período de 2004.

MADABA
 
            Deixando-se Amã, passa-se por Madaba, a cidade moabita que, segundo o Velho Testamento, foi um dos locais conquistados pelas tribos de Israel. Ali os israelitas ficaram antes de entrar na Terra Prometida. A principal atração de Madaba, cidade ainda com muitas ruas sem asfalto, é um mapa de mosaicos que está na Igreja de São Jorge, elaborado provavelmente durante o reinado de Justiniano (527-565 d.C.).

            Extremamente detalhista para a época, o mapa mostra a Palestina, o rio Jordão, Jericó, Jerusalém, Belém, o porto de Gaza, o Mar Morto e o delta do rio Nilo, no Egito, entre outras localidades.

          Para além de Madaba está o deserto de Moabe, com o morro de Edon. Ali, Moisés, acampado com seu povo, pediu passagem ao rei de Edom, que se recusou a deixar Israel passar por seu termo, como se lê em Números (20.14-21). Depois de derrotar os amorreus, Moisés e sua gente partiram para o vale que está no campo de Moabe, no cume de Pisga (21.1-20), onde está o Monte Nebo.

MONTE NEBO
  Foi no Monte Nebo que o Senhor mostrou a Moisés “toda a terra desde Gileade a Dã”, como se lê em Deuteronômio (34.1), e ele avistou a Terra Prometida, pouco antes de morrer e depois de peregrinar por 40 anos no deserto e cruzar o Mar Vermelho. Dali, avistam-se o rio Jordão, a cidade de Jericó, o Mar Vermelho, o Mar Morto à esquerda, e cenários de muitos milagres de Jesus Cristo. Na terra de Moabe, abaixo do Monte, segundo a Bíblia, está enterrado Moisés, “mas ninguém tem sabido até hoje sua sepultura”, como se lê em Deuteronômio (34.1-6).

No Monte Nebo, foi erguido um santuário em homenagem a Moisés, conhecido como Memorial de Moisés, no Mosteiro dos Franciscanos. Desde 1993, o santuário passa por reformas. No antigo batistério, há mosaicos bizantinos que retratam animais e caçadores. Uma inscrição em grego indica a data de 531. Há também fotografias da última visita ao local do papa João Paulo II no dia 20 de março de 2000. Foi ali também que o profeta Jeremias escondeu a Arca da Aliança, segundo a Bíblia hebraica (Macabeus 2.1-5).

Fora do Mosteiro, defronte para o rio Jordão, há um monumento que homenageia a passagem bíblica em que o Senhor diz a Moisés para fazer uma serpente de metal sobre uma haste como forma de evitar que o seu povo continuasse a morrer de mordidas das serpentes (Números 21.4-9).
[ADELTO GONÇALVES*. Doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003).]